Unidos contra o estigma associado ao Covid-19
Lamentavelmente, surgem notícias de episódios de rejeição e violência dirigidos a pessoas infetadas pelo SARS-CoV-2. Ambulâncias com pessoas infetadas apedrejadas e violentamente atacadas com engenhos explosivos . Ataques racistas e xenófobos dirigidos a comunidades de chineses ou outras populações asiáticas. São reações que surgem do medo da doença, da necessidade de atribuir culpa e de boatos e mitos disseminados, mas que têm que ser evitadas, já que o mero bom senso empático antecipa o sofrimento que podem causar e a evidência científica mostra claramente que dificultam a resposta às doenças transmissíveis.
Na doença mental, o estigma é fenómeno bem antigo, disseminado e estudado. A origem do termo “estigma” remonta à Grécia Antiga, onde significava uma queimadura ou cicatriz feita no corpo de maneira a denotar que o seu portador era um escravo, um criminoso ou um marginal, devendo ser evitado e excluído de locais públicos. O estigma social mantém-se hoje e é uma ameaça à identidade da pessoa, traduzido em atitudes de discriminação, censura, rejeição e marginalização de um indivíduo ou grupo de indivíduos com caraterísticas consideradas indesejáveis. Na doença mental, está bem estudado que o estigma tem, muitas vezes, efeitos mais nocivos do que a doença em si, pela autoestigmatização, pelo impacto na autoestima, pela retirada social e não procura de cuidados de saúde e pela dificultação da recuperação do indivíduo e da sua integração social.
O estigma social associado ao Covid-19 é assunto tão sério que motivou que fossem emitidas recomendações específicas sobre como o enfrentar:
- As palavras importam. Ao falar sobre doença por coronavírus, certas palavras com significado negativo (por exemplo, caso suspeito, isolamento, guerra...) podem perpetuar estereótipos, fortalecer falsas associações entre a doença e outros fatores, criar medo generalizado ou desumanizar aqueles que têm a doença. Deve ser incentivado o uso de terminologia que separa a pessoa do vírus. Devemos referir “pessoas que têm”, “pessoas que estão a ser tratadas”, “pessoas que recuperaram”, “pessoas que morreram após contrair” Covid-19, não terminologia que dá a uma pessoa uma identidade definida pelo vírus (por exemplo, casos Covid-19, pessoas Covid-19, famílias Covid-19).
- Divulgar os factos. Dar prioridade à recolha, consolidação e disseminação de informação rigorosa sobre as áreas geográficas afetadas, a vulnerabilidade individual e de grupo, as opções de tratamento e onde e como aceder aos serviços e informações de saúde. Enfatizar a efetividade das medidas de prevenção, de triagem, de teste e de tratamento precoces.
- Amplificar vozes, histórias e imagens positivas de pessoas que tiveram o Covid-19 e que recuperaram ou que apoiaram um ente querido e estão dispostas a contar como foi. Evidentemente, respeitando a confidencialidade.
- Envolver os influencers sociais, para estimular a reflexão sobre pessoas e profissionais de saúde que são estigmatizados e como os apoiar.
- Retratar diferentes grupos étnicos. O vírus não tem como alvo grupos raciais ou étnicos específicos, pelo que a doença não deve ser vinculada a nenhuma etnia ou nacionalidade.
- Promover um jornalismo ético. A comunicação social pode ser muito útil para disseminar informação rigorosa, usando linguagem simples. Deve mostrar cuidado e empatia por todos e não culpar indivíduos específicos por infetarem outros.
O combate ao estigma é feito pela partilha de factos, e só os factos, não o medo, vão parar a propagação do Covid-19.
Manuela Silva