Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Psicovid19

Saúde mental em tempos de pandemia

Psicovid19

Saúde mental em tempos de pandemia

Ser Médico Psiquiatra em Tempos de Pandemia

31.03.20

Correndo o risco de se tornar num monólogo maçador, decidi, ainda assim, partilhar este texto. Longe de constituir uma peça informativa, sendo na verdade apenas um conjunto de reflexões pessoais, acredito que possa ter alguma utilidade, permitindo ao público geral um breve vislumbre ...“do outro lado da secretária” – isto porque, hoje em dia, os divãs estão em extinção!

Numa altura em que os profissionais de saúde são (incorretamente!) aclamados como heróis, torna-se quase desonroso pertencer a esta classe e não estar na linha da frente - “Então como vai a luta? Tem sido muito cansativo o trabalho? É pá tenho mesmo orgulho em ter um amigo Médico (leia-se: Enfermeiro/ Técnico de Saúde/ Auxiliar) que dá o corpo às balas...”, “Tenho a certeza que vocês vão dar cabo do bicho” – são apenas alguns dos comentários tipo que, todos nós, profissionais de saúde, vamos ouvindo.

“Mas então na Psiquiatria estão a dar consultas, pelo telefone...? Não vão mesmo lá para a frente, com os escafandros... fazer testes, dar luta ao vírus?” – a réplica que, verbalizada ou não, se adivinha em muitos casos, quando se explica o esforço que os Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental estão a fazer, para - vendo-se obrigados a limitar a intervenção presencial - manterem a resposta  de proximidade aos seus utentes. Alargando até a sua atividade, para dar resposta a todo um conjunto de “novos doentes”, que desenvolvem sintomatologia psicológica e psiquiátrica, reativa à crise de saúde pública que se vive.

Uma resposta concertada, a nível nacional, de intervenção psicológica e de saúde mental em catástrofe, está a progredir a passos largos (nalguns sítios a uma velocidade superior à de outros) para, de forma engenhosa e que certamente nos deixará a todos orgulhosos, dar resposta às necessidades da população, com os recursos que, com algum eufemismo, são inferiores ao desejável! Ainda assim, parece cada vez mais provável que, devido à falta de recursos humanos, em contexto pandémico, muitos Médicos - a especializarem-se há vários anos em Psiquiatria e Saúde Mental -  sejam chamados “para a linha da frente”, a exercer uma prática clínica de medicina generalista, na qual já não têm a destreza que certamente gostariam, para se sentirem perfeitamente confortáveis a exercer essa missão.

Surgem assim os dilemas... Numa mão, a vontade de ajudar, de participar na primeira linha da batalha, de atender a necessidades mais emergentes... Na outra, a perceção de que, onde somos mesmo bons é a tratar outros tipos de “dispneias” e “taquicardias” ... aquelas que não têm uma causa fisiológica evidente, por mais evidente que seja o sofrimento que provocam...

Por um lado, ter de ser contentor de sentimentos e emoções dos outros - que apesar de expectáveis e muitas vezes normativos, podem ser extremos e intensos, ao ponto de paralisarem os indivíduos. Por outro, tentar conter a nossa própria “humanidade” - que nos leva a sentir como sentem os outros, sem conseguirmos ser, os heróis que muitos esperam que sejamos!

 

Lídia Sousa