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Psicovid19

Saúde mental em tempos de pandemia

Psicovid19

Saúde mental em tempos de pandemia

Palavras para falar de esperança

02.04.20

Estamos todos muito preocupados e com medo da pandemia de Covid-19. Precisamos de implementar “primeiros socorros psicológicos” coletivos , ou seja, atitudes e mensagens que ajudem a lidar com as emoções e a enfrentar os desafios de forma saudável, ouvindo e percebendo as preocupações e proporcionando sentimentos de apoio e esperança. Isso faz-se disponibilizando, com calma, a informação que se conhece e falando abertamente da incerteza, por se tratar de um novo vírus sobre o qual todos estamos a aprender. Não se faz alarmando continuamente, infantilizando ou fazendo promessas ou garantias falsas.

Os portugueses, tal como tem acontecido noutros países europeus, têm colocado cartazes nas suas varandas, com desenhos de arco-íris e a mensagem “Vamos todos ficar bem”. Não penso que sejam as palavras certas para falar de esperança. Não, não vamos todos ficar bem. Já aconteceram muitas mortes e ainda vão acontecer muitas mortes, mesmo que cumpramos as recomendações de distância física e higiene. Já aconteceu muito sofrimento e vai acontecer muito sofrimento, nas casas de quem está doente, nos hospitais, no círculo daqueles que acompanham e perdem quem amam e que, nestes tempos tão estranhos, nem se podem consolar ou despedir. Ainda vamos nas primeiras semanas de confinamento em casa e já é percetível o impacto no bem-estar mental e na conflitualidade intrafamiliar, não antecipamos claramente qual será o resultado final. O impacto na economia já é enorme e vai ser brutal, com aumento da pobreza, do desemprego, da precariedade, desproporcionalmente sentido pelos grupos mais vulneráveis. Não, não vamos todos ficar bem, não nos sosseguemos repetindo essas palavras, procuremos antes coletivamente soluções para, lucidamente, minorar o possível desta situação de crise e das suas consequências.

Também não me parece o bom caminho glorificar pessoas ou atos específicos. Os profissionais de saúde não são heróis, estão na frente de combate ao vírus porque sim, porque foi o trabalho que escolheram fazer; têm que se proteger, têm que descansar, não podem ficar com a responsabilidade de salvar o mundo, precisam das melhores condições possíveis para exercer o seu trabalho e, depois da pandemia, que sejam reconhecidas as dificuldades com que já trabalhavam e que se agudizaram. Os idosos que cedem ventiladores para salvar a vida dos mais jovens não devem ser apresentados como heróis; ninguém deve ser pressionado a ceder a possibilidade de ter respiração assistida, passando implicitamente a mensagem de que quem não o faz é egoísta, essa deverá ser uma decisão clínica, assente em princípios éticos.

Também não se faz com exigências absurdas de exigir “uma data ao fundo do túnel”, por ser cientificamente impossível avançar com ela. Precisamos de ensaiar as palavras, atitudes e ações que permitam a tranquilidade possível, porque por agora só temos o presente, ajustando as expectativas e soluções à medida que formos tendo mais dados.

Sendo difícil, é fundamental passar uma mensagem positiva, assente nos valores da solidariedade que têm despontado um pouco por todo o lado, nas competências que temos, na confiança de que ninguém larga a mão de ninguém e nos avanços da ciência. No passado, lidámos com fomes, inundações, predadores e guerras tribais. Hoje, com a doença, a desaceleração da economia, o repentino isolamento e a incerteza. No futuro, que redefinamos prioridades e o que é essencial mudar para nos prepararmos melhor para pandemias do futuro. Que utilizemos o silêncio e este tempo suspenso para entender o que sentimos e o que para cada um é fundamental. E, quando recuperarmos a nossa liberdade e rotina e a possibilidade de estarmos mesmo uns com os outros, avancemos mais decididamente na direção da sociedade que queremos ser.

Estamos nisto juntos, juntos vamos ultrapassar a pandemia.

Manuela Silva