Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Psicovid19

Saúde mental em tempos de pandemia

Psicovid19

Saúde mental em tempos de pandemia

Covid-19 e crianças em casa

31.03.20

Todos enfrentamos momentos desafiantes de doença e possibilidade de doença que provocam situações inesperadas no dia-a-dia. As recomendações de permanecer no domicílio, o encerramento das escolas, problemas económicos decorrentes de inatividade ou desemprego obrigam as famílias a uma total reorganização. São múltiplas as dificuldades em conciliar a permanência em casa com crianças e arranjar formas de garantir cuidado e vigilância ou tentativas de trabalho remoto com crianças em casa.

As crianças também são afetadas pela quarentena, sentem as diferenças na rotina habitual, estão atentas às alterações nos adultos à sua volta, absorvem as suas preocupações, momentos de tensão e stress. É crucial, como figuras de referência, mantermo-nos calmos e tentar perceber ou procurar maneiras de ultrapassar as dificuldades que vão surgindo, adaptando uma nova realidade a cada dia.

Por isso, é importante respondermos às questões que as crianças colocam e adequarmos as respostas a cada idade e situação, focando no bem-estar e partilhando informações úteis e práticas. Devemos explicar o porquê na mudança de algumas rotinas de forma simples. É normal uma sensação de insegurança e dúvidas quando nem os próprios adultos/pais/cuidadores sabem o que esperar. É essencial ajudar a filtrar e interpretar a informação circulante e mudanças nas rotinas, de modo a minimizar a ansiedade e tranquilizar, transmitindo sensação de segurança e controlo.

Crianças abaixo 6 anos: não precisam de informações detalhadas e têm dificuldade em interpretar as notícias, pelo que as explicações devem ser simples e factuais. As crianças precisam de ser tranquilizadas em relação ao cuidado e saber que a família está segura e saudável.

Crianças mais velhas: é natural que já tenham informação acerca da doença e muitas dúvidas. Para evitar versões assustadoras, distorcidas ou falsas, conversem regularmente com eles, respondam às perguntas enquanto realizam as atividades do dia-a-dia, enquanto brincam, permitam que sejam eles a expor as dúvidas, que sejam eles a orientar a discussão, encorajem-nos a partilhar sentimentos e mantenham diálogo aberto, em vez de uma “grande conversa” com explicações excessivas e preocupações que não são deles.

Pode surgir o pedido para brincar ao “faz-de-conta” como médicos/enfermeiros ou temas de brincar relacionados com morte, vírus e doença, o que será normal e expectável; aproveitem a oportunidade para explicar o papel dos profissionais de saúde, a doença e a importância do cuidar. É uma forma de as crianças exteriorizarem e lidarem com os seus sentimentos de medo. 

Relativamente ao uso de máscaras: expliquem que às vezes usamos máscaras quando estamos doentes; quando deixamos de estar, não precisamos de usar mais. Não é um disfarce e conseguimos falar na mesma; não são “os maus” que usam, nem precisam de ter medo; apenas usam máscara porque estão doentes. Expliquem que todos podemos ficar doentes mas se a criança ficar doente os pais/cuidadores vão estar com ela e cuidar dela até ficar melhor, com ajuda dos médicos, se necessário.

Nos dias que correm, é imperativo manter as rotinas diárias o mais consistentes possível; restabelecer rotinas antigas ou criativamente construir novas rotinas, ajudando a implementar uma sensação de normalidade e segurança. Mostrar disponibilidade emocional para além de presença física. É importante passar tempo com as crianças, reassegurar, transmitir calma e segurança; limitar exposição ao fluxo de informação constante dos media acerca do Covid-19 e tentar distanciar-se quando em discussões/debates entre adultos acerca do tema. Lembrem-se que as crianças conseguem sentir a tensão e preocupações das pessoas que as acompanham. É um momento apropriado para praticar e treinar rotinas de higiene em casa.

Uma vez em casa, sem ir à escola: estabeleçam objetivos, horários de trabalho/estudo para todas as áreas lecionadas na escola e organizem tempo de lazer/brincar; mantendo um funcionamento “escolar” e não de “férias”. 

De seguida apresentamos algumas dicas/atividades que poderão ser realizadas:

 

Para bebés: estendam uma manta para jogos de barriga; jogos com bolhas de sabão; segurem no bebé e observem outro familiar a brincar; contem histórias.

Em idade pré-escolar: privilegiem algum tempo para estas brincarem sozinhas; determinem tempo para brincar com o adulto, jogos em grupo; importante reservar um espaço de tempo por dia para brincar consigo numa brincadeira por eles conduzida; reservar um tempo de leitura; tempo de ecrã com atividades divertidas e educativas – importante definir horários e limites, monitorizando qualidade e quantidade. Se possível, praticar atividades ao ar livre – dentro do recomendado pelas autoridades de saúde: em jardim próprio, em casa, em passeio livre com um adulto e com os cuidados de higienização devidos, evitando a utilização de parques infantis ou atividades com equipamentos públicos. É importante fazer refeições, sestas, lanches, de acordo com rotinas prévias. Promovam exercício físico, dança. Façam rotação de brinquedos (deixem brinquedos de lado durante alguns dias e vão trocando para a criança ter a sensação de novidade e não se aborrecer); façam coleção de folhas, pedras e depois organizem por cores, tamanhos; façam colagens e trabalhos manuais, pinturas; se possível, jogos na terra com baldes, ferramentas de jardinagem; completem puzzles, joguem jogos de tabuleiro adequados a cada idade; dentro de casa aproveitem para brincar com almofadas, elementos decorativos e “construir” castelos, tendas, fortes; façam corridas de obstáculos, ensinem a cozinhar...

Idades mais avançadas: para além do referido adequado a cada idade, permitam interações sociais de forma segura e vigiada – conversas online com amigos ou familiares. A manutenção de contacto com o exterior ajuda a uma sensação de normalidade e de conexão. Expliquem o porquê de não poderem combinar encontros ou brincadeiras em conjunto.

É especialmente importante fornecer às crianças/jovens sensação de controlo e fazê-las sentirem-se úteis, mostrando como podem ajudar: lavar as mãos frequentemente, tossir/espirrar para o cotovelo, evitar cumprimentar as pessoas com contacto, fazer as tarefas de casa com ou sem recompensa, ligar aos idosos, manter o contacto online com familiares, manter hábitos e higiene do sono para diminuir stress e ansiedade.

As crianças têm formas diferentes de comunicar. É necessário imaginar o comportamento destas como forma de comunicação e expressão de sentimentos. Quando experienciam uma alteração nas rotinas podem mostrar-se confusas ou mais zangadas, irritáveis. Podem não conseguir expressar-se através de palavras mas mostrar com comportamentos de agitação, regressão a comportamentos antigos inadequados à idade ou estadio de desenvolvimento, alterações no padrão de sono ou alimentar. Nestas situações devem parar para pensar acerca destes comportamentos, tentar entender a mensagem por detrás dos mesmos, perceber e antecipar as necessidades da criança.

Por último e não menos importante, é importante que os adultos possam cuidar de si mesmos para conseguir apoiar e estar presente. Mantenham-se informados, ajudem-se a si mesmos, procurem outros adultos para partilhar preocupações e lembrem-se: manter a calma é ajudar os vossos filhos. Se houver dois adultos em casa tentem dividir o tempo com as crianças e permitam-se algum tempo para relaxar, estar sozinhos, ou fazer as atividades que mais gostam. Caso não aconteça, estabeleçam horários que incluam este tempo quando a criança está em alguma atividade segura e que permita supervisão ao longe ou durante a sesta. 

 

De seguida deixamos alguns sites/links/iniciativas que podem ser úteis:

- Livro do coronavírus explicado às crianças;

- Banda desenhada explicativa do tema COVID-19, apropriada a crianças;

- A Associação Pais Como Nós e os Anos Incríveis disponibilizam no seu site, para além de informação também aqui contemplada, estratégias de gestão de stress para ajudar as crianças a ficarem calmas e a praticar com vídeos demonstrativos (um exemplo aqui)

- Aprender rotinas com a Rua Sésamo

- O Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Infância do Centro Hospitalar do Porto, disponibiliza um email para o esclarecimento de dúvidas na gestão de ansiedade, de comportamentos e/ou ideias para ocupar o tempo em casa de forma lúdica:

crianças.png

Ana Sofia Pires, Interna de Formação Específica em Psiquiatria da Infância e Adolescência CHVNG/E; Ana Vera Costa, Interna de Formação Específica em Psiquiatria da Infância e Adolescência CHVNG/E; Sandra Borges, Especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência CHVNG/E; Sara Melo, Especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência CHVNG/E.

 

3 comentários

Comentar post