Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Psicovid19

Saúde mental em tempos de pandemia

Psicovid19

Saúde mental em tempos de pandemia

Regras de casa em tempos de Covid-19. Alguém por favor me diz o que fazer?

28.04.20

together-cleaning-the-house-2980867_1920-1-1-1151x

Como psicólogo, quase três semanas em isolamento enquanto vejo clientes online, tenho vindo a refletir sobre as várias mudanças de comportamento que temos vindo a fazer durante esta crise. Tanto em terapia quanto na minha vida pessoal, um tópico que parece emergir com alguma frequência centra-se nas preocupações atuais acerca de embalagens recebidas em casa. Qual é a forma certa de proceder com embalagens de modo a minimizar os riscos? Será que as fontes científicas credíveis são suficientes para nos apontar o caminho para as boas práticas? Devemos olhar para as embalagens como um assunto em si mesmo ou como um conjunto maior de negociações acerca de regras de casa que estamos presentemente a atravessar? E o que tem a psicologia a dizer sobre a natureza do conflito que emerge desta negociação?  

Covid-19: psicológico ou real?   

Talvez a questão principal parta de um falso pressuposto: que assumir a Covid-19 como uma crise real implica pensá-la como o contrário de uma crise ‘psicológica’; como tal, algo que não necessita de pensamento acerca dos aspetos psicológicos envolvidos. Esta perspetiva radica de uma noção simplificada da psicologia (uma visão ´popular’ da psicologia) como o estudo do que se passa dentro da “mente” de cada um, olhando predominantemente para um/a individuo de cada vez. Na prática, existimos tanto dentro das nossas consciências individuais como fora delas, por exemplo, nas relações que estabelecemos com os outros significativos (parceiro/a, amigos, família, etc.). Qualquer crise, seja ou não a crise provocada pela Covid-19, não aparece do ‘acaso’. Um evento real como a Covid-19 encontra um lugar na pessoa que já éramos antes da crise e na forma como já tendíamos a reagir às situações. Encontra também um lugar nas relações estabelecidas com as pessoas próximas de nós e nas dinâmicas que as caracterizam. 

 

 

Ciclo de Webinars Psiquiatria e COVID-19 : Conversas sobre saúde Mental

28.04.20

Nesta altura em que muitos estamos fisicamente separados, importa refletir sobre Saúde Mental em tempos de COVID-19 e acerca do que o futuro nos reserva.

A Associação Portuguesa de Internos de Psiquiatria vai promover um Ciclo de Webinars durante 5 semanas centrada em várias áreas da Saúde Mental, com apoio científico da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saude Mental e Patrocínio BIAL.

O primeiro Webinar será já nesta quarta feira dia 29 de abril, focado no tema “Organização de serviços em resposta à Pandemia” e contará com a participação de Miguel Xavier,  Ana Matos Pires e Teresa Maia, com moderação de  Pedro Frias.

Os webinars serão transmitidos em direto na página de Facebook da APIP (link disponibilizado no dia de realização do webinar)

 

Mais informações na página do evento 

Distanciamento social sem casa

21.04.20

A medida mais amplamente difundida e mais eficaz no combate à disseminação da infeção pelo vírus SARS-CoV2 prende-se com o confinamento social. Somos instados a, num movimento coletivo, nos resguardarmos nas nossas respetivas casas de modo a que, num isolamento solidário, protejamos os restantes membros clinicamente mais frágeis da sociedade bem como a nós próprios e aos nossos mais próximos.

No entanto, e num momento em que a “casa” assume um papel de lugar de proteção e, de forma lata, se afigura quase como um instrumento de saúde individual e pública, não devemos esquecer aqueles que não têm um lugar fixo ao qual chamar casa, a População de Pessoas Sem Abrigo.

Procurando relevar esta população escrevi, em conjunto com a Dra. Joana Vilares para a Associação Piaget para o Desenvolvimento (APDES) um texto em que expomos as especificidades da população sem abrigo, numa altura em que é essencial entendermos o outro como uma extensão de nós mesmos e para a sua saúde como a de todos, lembrando que não há saúde publica sem saúde que chegue a todos.

Finalmente, importa ressalvar que existem atualmente um pouco por todo o país soluções implementadas para o alojamento e acomodação da População Sem Abrigo durante a pandemia, para as quais contribuem em articulação as Administrações Regionais de Saúde, Serviços Locais de Saúde Mental, Autarquias e diversos atores da sociedade civil, que responderam à altura a um desafio que subitamente se instalou. Devemos ter esperança num mundo solidário, atento ao próximo e organizado em prol do bem comum

 

Pedro Frias – Interno de Formação Específica de Psiquiatra – Hospital Magalhães Lemos, EPE ; Presidente da Direção da Associação Portuguesa de Internos de Psiquiatria

“Se não existisse o SNS, não imagino como estaríamos”

18.04.20

Perturbação Obsessivo Compulsiva em Tempos de Pandemia - um guia para clínicos

17.04.20

Em tempos difíceis como aqueles que vivemos hoje, é possível que as pessoas que sofrem de doença psiquiátrica sintam um agravamentos dos seus sintomas e tenham também mais dificuldade em obter os cuidados de saúde habituais. As pessoas com doença obsessivo-compulsiva encontram-se numa situação de particular vulnerabilidade pelo que o Colégio Internacional da Perturbação Obsessivo Compulsiva (ICOCS) e o Obsessive-Compulsive Research Network (OCRN) of the European College of Neuropsychopharmacology elaboraram um documento de consenso sobre as melhores práticas clínicas em tempo de COVID-19. Resumimos aqui os principais pontos:

  1. Adoptar uma abordagem tranquilizadora e empática. O impacto da pandemia é muito variável em diferentes regiões do mundo;
  2. Realizar uma cuidadosa colheita da história clínica no sentido de confirmar o diagnóstico. Nesta situação pandémica, as pessoas podem experienciar o agravamento/reativação de doenças prévias ou o desenvolvimento de sintomatologia de novo; deve ser dada particular atenção às comorbilidades neste período;
  3. Deve avaliar-se o risco de suicídio, nomeadamente em pessoas com comorbilidades;
  4. Deve ser disponibilizada psicoeducação acerca dos riscos e impactos da COVID-19 na saúde física e mental;
  5. Avaliar o uso de internet e o consumo de notícias; deve promover-se hábitos equilibrados (30 minutos de amnhã e 30 minutos à noite) para estar informado acerca da pandemia; devem sugerir-se fontes válidas para evitar mitos, rumores e desinformação;
  6. Se a Perturbação Obsessivo-Compulsiva for o problema de saúde principal sugere-se:
    1. Rever a medicação (SSRI 1, depois SSRI 2, depois adicionar Clomipramina, sempre em doses terapêuticas); considerar antipsicótico em baixa dose; assegurar que existe uma boa adesão; gerir problemas de sono.
    2. Rever o plano de psicoterapia cognitivo-comportamental; na fase pandémia pode verificar-se a necessidade de suspender temporariamente a Terapia de Exposição e Prevenção de Resposta.
    3. Pode verificar-se a necessidade de adiar a implementação de estimulação cerebral profunda.
    4. Recomenda-se a implementação de planos sócio-ocupacionais que incluam a prática diária de exercício físico.
    5. Deve ser dado suporte aos familiares das pessoas com doença sempre que necessário.

O luto em tempos de pandemia

14.04.20

A morte não dá tréguas, especialmente nos tempos de crise como a que estamos a viver. No processo da morte por estes tempos, aquando da hospitalização, não há direito a visitas ficando as despedidas impossibilitadas. São mortes mais solitárias. E a regra é igual para todos.

Os rituais fúnebres também sofreram alterações nas suas rotinas. Um funeral oferece um lugar de reunião para a expressão culturalmente aceite de emoções relacionadas com a perda. Marca uma transição, enfatizando a irreversibilidade da morte. Simultaneamente, fornece um ponto de partida para recuperação e renovação. Além disto, os rituais pós-morte podem tornar-se veículos úteis nos processos de transformação, transição e continuidade - processos que formam a base do ajuste e recuperação após o luto. Faz sentido supor que uma despedida de um ente querido que seja sentida como satisfatória facilite a aceitação da perda.

Segundo um estudo publicado em 2019 sobre a facilitação do luto através dos rituais fúnebres, aparentemente, as pessoas continuam a recordar o funeral de um ente querido com uma perceção positiva, mesmo passados muitos anos. A grande maioria dos participantes relatou também que a organização do período em torno do funeral foi importante para processar sua perda. Outro estudo  de 2000 afirmou que a avaliação de um funeral como reconfortante estava relacionado a menores dificuldades no ajuste ao luto.

Desde o inicio da pandemia, após a morte, o corpo tem uma preparação especial  e os caixões são fechados e selados para evitar o contágio pós-morte. Durante o funeral os familiares e amigos não tem possibilidade de ver o corpo, deverão conservar uma distância de segurança de todos os participantes de cerca de 2-3 metros, existem restrições relativamente ao número de pessoas presentes na cerimónia, reservando-a para as pessoas mais próximas do falecido. Pessoas mais vulneráveis, como as consideradas parte dos grupos de risco e outras que tenham sintomas ou convivam com quem tem sintomas de COVID-19 são fortemente encorajadas a não participar. Além disto, as restrições relacionadas com a deslocação de pessoas podem provocar a sensação de impotência entre os que não podem estar com o ente querido que faleceu e com a restante família para a confortar. Estar em proximidade física com amigos ou família ajuda na produção de hormonas de bem-estar, como ocitocina, dopamina e serotonina. Esta não despedida do ente querido pode provocar sentimentos de culpa e impotência nos familiares. Sendo o processo de luto violento por si só e potencialmente traumático, o suporte que o contacto social permite não vai existir, o que talvez torne mais difícil ultrapassar a perda.

As comunidades religiosas, muitas vezes associadas a este tipo de rituais, tiveram também de alterar as suas rotinas. Há a exigência de criatividade e em alguns locais são celebradas cerimónias online , embora sem o calor que o conforto de um abraço ou um beijo podem ter.

Se estiver a passar por uma situação de luto, deixo algumas sugestões que podem ajudar no alívio do sofrimento e na integração da perda:

  • Mantenha-se em contacto com pessoas próximas;
  • Não reprima as suas emoções. É natural sentir tristeza, raiva, culpa, frustração. É natural ter vontade de chorar.
  • Lembre-se que todos temos tempos e necessidades diferentes para lidar com o luto.
  • Encontre uma forma de homenagear a memória da pessoa que morreu
  • Tente a pouco e pouco envolver-se nas suas atividades e cuide de si.

Caso sinta que o sofrimento está a ser demasiado para si e que poderá estar a ter sintomas que dificultam o seu funcionamento diário procure ajuda de um profissional especializado em psicologia ou psiquiatria.

Se conhece alguém que está a passar por uma situação de luto, aproxime-se da pessoa através das novas tecnologias, mostre-se presente e preste o apoio possível.

Vivem-se sentimentos de uma certa cumplicidade, comunhão e solidariedade pelo facto de todos estarmos na mesma situação. Somos uma comunidade, o que de certa forma nos faz sentir menos sozinhos.

 

Sónia Farinha Silva

O impacto do isolamento nas perturbações do comportamento alimentar

13.04.20

O novo coronavirus chegou e em bem pouco tempo virou o mundo de pernas para o ar. Não bastasse o isolamento social e todos os danos daí resultantes, vivemos ainda na incerteza e imprevisibilidade da data do retorno à normalidade. Assim, cinco semanas passadas desde o primeiro caso identificado em Portugal, é já possível começar a sentir alguns dos estragos na nossa saúde mental. 

Um artigo publicado em Fevereiro deste ano na Lancet descreve, de forma bastante clara, o impacto do isolamento na saúde mental. Os sintomas mais comummente descritos são os depressivos, ansiosos, de stress pós-traumático, perturbações do sono e irritabilidade, apontando-se como principais factores de stress a duração da quarentena, o medo de contrair a infecção, o tédio, a frustração, a escassez de bens essenciais, a insuficiência ou desadequação da informação sobre a doença, a perda financeira e o estigma. 

Entre os factores de risco para pior outcome psicológico durante o período de isolamento social, destaca-se, entre outros, a história pessoal de doença psiquiátrica, associada também a mais sintomas de ansiedade e sentimentos de raiva após a quarentena.

As pessoas com história de perturbação do comportamento ou alimentar ou padrões alimentares disfuncionais,  representam, nesta altura, um grupo particularmente vulnerável. De facto, verifica-se agora um risco elevado de recaída ou agravamento da sua patologia, não só pelo medo da infecção, mas também pelo impacto da quarentena (nas suas diversas vertentes) e pelas barreiras ao acesso aos cuidados de saúde durante a pandemia.

O medo constante de poder ser infectado pode aumentar a sensação de falta de controlo - que em pessoas com perturbações do comportamento alimentar frequentemente despoleta alguns comportamentos na procura da reaquisição da sensação de controlo - , podendo resultar assim no aumento das restrições alimentares ou de comportamentos extremos de tentativa de controlo de peso (p.e. vómito provocado, uso de laxantes…). Esta sensação de falta de controlo e de constante ansiedade pode também resultar numa maior frequência ou intensidade dos episódios de binge eating – episódios em que a pessoa come de forma excessiva e descontrolada, uma quantidade de alimentos considerada exagerada pela maioria das pessoas e que terminam apenas quando se atinge um estado de intenso desconforto físico.  

Por outro lado, o estado de emergência, quer pelo isolamento social, quer pela restrição da liberdade de circulação a ele associados, pode contribuir também para a manutenção ou agravamento da psicopatologia associada às perturbações do comportamento alimentar, nomeadamente:

- A limitação da prática de exercício pode intensificar o medo de engordar, aumentando consequentemente as restrições alimentares e comportamentos que tenham como objectivo o controlo do peso;

- A exposição constante à comida de casa, e maior acesso a comidas hipercalóricas pode desencadear com maior facilidade episódios de binge-eating, entre as pessoas com perturbação de comportamento alimentar deste tipo;

- A menor variedade e acessibilidade à comida, e dificuldade, por exemplo, de planeamento das refeições ou de cumprir as refeições idealizadas poderá representar um factor de stress significativo para pessoas com perturbação do comportamento alimentar;

- O isolamento social, já comummente associado a este tipo de patologia, acaba por representar um obstáculo ao funcionamento interpessoal, limitando as interações sociais, interações essas que se demonstram, nestes casos, fundamentais no processo terapêutico (como a exposição do corpo e as refeições em público, por exemplo), contribuindo também para a desvalorização do peso e da forma física;

- Ambientes familiares disfuncionais ou conflituosos podem desencadear um agravamento de alguns sintomas;

- Em pessoas que tenham, para além da perturbação do comportamento alimentar, qualquer outro diagnóstico psiquiátrico – depressão, ansiedade, perturbação obsessivo-compulsiva, perturbação de stress pós-traumático, perturbação de abuso de substâncias… – o stress resultante da situação actual de pandemia pode agravar os sintomas da doença psiquiátrica co-mórbida, contribuindo assim para um agravamento da psicopatologia da perturbação do comportamento alimentar.

Sabemos que este é um período difícil para todos, mas poderá ser particularmente mais custoso e com desafios adicionais para algumas pessoas. Assim, realça-se uma vez mais a importância do reforço do acompanhamento destes indivíduos por telemedicina, de modo frequente e atento, quer pelos médicos de família, quer pelos psiquiatras ou psicólogos, de forma a manter a estabilidade clínica.

Mais se acrescenta que quem se encontra em acompanhamento médico no contexto de uma perturbação do comportamento alimentar não deve, em momento algum, interromper a medicação ou psicoterapia por moto próprio e, em caso de sentir agravamento da ansiedade, tristeza, angústia ou dos comportamentos de tentativa de controlo do peso, deve entrar em contacto com o médico, psicólogo ou psiquiatra assistente. 

 

Mafalda Corvacho

 

Referências:

Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., & Rubin, G. J. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet, 395(10227), 912-920. doi:10.1016/s0140-6736(20)30460-8

Huremocic, D. (2019). Psychiatry of Pandemics - A Mental Health Response to Infection Outbreak.  Manhasset, NY: The Springer. doi.org/10.1007/978-3-030-15346-5

Pág. 1/2